Todos os dias a Cidade lança às ruas os Cidadãos armados com dentes brancos e hálito puro prontos para morder, famintos por tudo. Crentes de que possuem a liberdade de ir e vir, os Cidadãos não têm olhos para ver o emaranhado invisível que os prende à Cidade e ao modo de vida que lhes foi designado; acreditam – entre eles os condescendentes –, no destino que os leva até o suposto fim, engendrado em páginas herméticas escritas em tempos imemoriais, agarrados à cruzes, dogmas, leis e à infinita variedade de crenças que os cerca.

O Cidadão chega ao Centro da Cidade há poucos minutos do local de trabalho. Alheio e absorto em seus pensamentos, assovia uma canção que não sabe de onde vem – ignora o poder da criatividade – , uma canção que destoa do ambiente que o cerca; as buzinas e os ruídos ruidosos dos motores dão o tom na sinfonia urbana. Na esquina, parado junto a outros Cidadãos, aguarda a permissão para atravessar a rua. Enquanto o rio de veículos motorizados flui e transborda para cima das calçadas, o Cidadão espera, os olhos fixos no sinal vermelho. Por um instante, um piscar de olhos, o Cidadão pensa ter visto o pictograma vermelho do homem parado tornar-se verde. O pictograma do homem parado pisca e o Cidadão se prepara para atravessar a rua. Cinco vezes pisca o pictograma vermelho do homem parado. Cinco segundos e ecoa uma voz em sua mente... 

...e seu mundo vira de cabeça para baixo.